A COBERTURA ANTIPOPULAR DA MÍDIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Wallace dos Santos de Moraes[1]

Texto escrito durante a greve docente de 2012

Resumo:O objetivo deste trabalho é resgatar algumas intervenções da grande mídia brasileira sobre acontecimentos políticos e evidenciar o seu caráter partidário em defesa do capitalismo e da institucionalização da luta do trabalhador, colocando como anátema as perspectivas da luta econômica direta.

Atualmente, grande parte dos professores brasileiros encontra-se em greve. A maioria das instituições federais de ensino fez esta opção em função da luta por um plano de carreira decente, dentre outros pontos, negados pelo governo há tempos. É óbvio que a greve significa enfrentamento com o poder e luta direta econômica. O problema é que os docentes não têm espaço na grande mídia para expressar os seus motivos e esclarecer à população. Nossas manifestações vêm sendo sorrateiramente ignoradas ou não contempladas na sua magnitude pelos monopólios da comunicação. No dia 20 de junho, o pessoal da educação fez uma grande manifestação no Centro do Rio por conta da Rio+20, juntando-se aos movimentos sociais e ambientais. Na semana seguinte, mais precisamente no dia 28 de junho, fizemos outra manifestação no Centro do Rio. Não tínhamos as 80 mil da semana anterior, éramos poucos, umas cinco centenas, entretanto,o jornal O Globo ignorou por completo, tal como normalmente fez ao longo da nossa recente história. Não obstante, no domingo seguinte, dia 01 de julho,o jornal estampa em sua capa, como principal manchete: “Setor público paga mais do que empresa privada”. Esta notícia vem justamente quando o funcionalismo público começa a se mobilizar e reivindicar melhores salários, condições de emprego e planos de carreira! Com essa reportagem o jornal passa para a “fase dois”. Na primeira, ele tenta ignorar o movimento reivindicativo; quando não consegue fazer perder força o movimento pela tática de “não está na mídia, não existe”, a família Marinho e seus funcionários entram na fase dois e começam a tentar minar o movimento,procurando deslegitimá-lo. Corroborando nossa análise, uma das passagens do jornal diz o seguinte:

“…como os servidores têm estabilidade, uma espécie de seguro, deveriam ganhar menos do que os que estão no setor privado, que correm mais riscos: pode-se dizer que o funcionalismo tem uma dupla vantagem, o salário mais alto e a estabilidade” (Jornal O globo, 01 de julho, p. 03).

O jornal, como de práxis, sem nenhum critério, defende que o funcionalismo público deveria receber menos que o setor privado!!! Essas palavras vêm junto a uma análise de um professor da FGV, na tentativa de dar tom científico a este raciocínio ultraliberal.

Durante a Rio+20, a insatisfação dentre os ambientalistas, movimentos sociais e pessoas compromissadas com o futuro do planeta foi enorme. Como resultado, tivemos diversas manifestações, a maior de todas, ocorreu no centro do Rio com aproximadamente 80 mil pessoas. A grande mídia não pôde ignorar a grande manifestação de massa, sobretudo em função das diversas organizações de todo o mundo aqui presente. Todavia, fez uma cobertura que não condiz com a realidade. Primeiro, saiu no jornal O Globo do dia seguinte que éramos apenas 20 mil pessoas. Um absurdo! Mais uma vez apenas os setores institucionalizados tiveram espaço. Os movimentos sociais não bajuladores do sistema capitalista e aqueles mais populares não tiveram suas propostas divulgadas/relatadas. O movimento da Vila Autódromo não teve suas premissas consideradas. Os manifestantes do Ocupa Rio recorreram para a nudez com vistas a aparecer suas propostas e críticas, porém o jornal muito eficazmente divulgou a foto sem as mensagens de contestação. Enfim, ratificando nossa questão, os grandes monopólios da comunicação informaram que defendíamos a tal economia verde que assevera que é possível salvar o planeta e seus habitantes, transformando tudo em mercadoria. Lamentável, mas nem um pouco surpreendente. O papel histórico exercido pelos grandes meios de comunicação no Brasil tem sido exatamente este, desvirtuar, criminalizar ou ignorar o papel exercido pelos movimentos sociais autônomos no país, sobretudo aqueles que criticam o sistema capitalista, enquanto divulgam sobremaneira outros institucionais e defensores do sistema como, por exemplo,o “Viva Rico”.

O texto que segue abaixo objetiva discutir e apontar algumas experiências de cobertura da mídia sobre as grandes manifestações sociais no Brasil, ajudando-nos a entender como são realizadas as manipulações e porque as greves, como a atual dos docentes, e todas as lutas diretas econômicas são ignoradas e desvirtuadas. Vamos ao debate.

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No mundo contemporâneo, a maior parte das pessoas informa-se acerca dos acontecimentos do mundo, do país, do estado, políticos, econômicos e sociais pelos grandes meios de comunicação. Nesse sentido, ter o controle da grande mídia, que se constituiu no Brasil, e em todo o mundo, em grandes monopólios da comunicação, significa ter uma arma política importantíssima.

No Brasil, por exemplo, com o objetivo de frear, cooptar e controlar o crescente movimento operário, foi criado por Getúlio Vargas, na década de 1930, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). A função principal deste departamento foi de forjar a imagem do Presidente da República como o “pai dos pobres”, asseverando que os direitos sociais foram concessões generosas suas, absolutamente descoladas da luta dos trabalhadores. Segundo os jornais, e, principalmente, o rádio, não existia ditadura e conformou-se a imagem de Vargas como um presidente benevolente para a classe trabalhadora. É claro que se ignorou a forte repressão e perseguição aos sindicatos de orientação anticapitalista.

Os jornais e o rádio foram fundamentais para conformar na sociedade a ideia segundo a qual anarquismo é sinônimo de desordem e bagunça, e os comunistas “comiam” criancinhas e iriam tomar as casas das pessoas etc. Esses absurdos ainda hoje são reproduzidos por muitos na sociedade, confirmando o êxito da propaganda que fora feita.

Em belo livro de 1981, intitulado: “1964: A conquista do Estado”, René Dreiffus nos mostra que às vésperas do golpe civil-militar de 1964, os principais representantes dos maiores jornais no país, como O Globo, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e outros, bem como representantes da burguesia com a ajuda dos EUA formaram o IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais), cujo principal objetivo era desestabilizar o governo de João Goulart e preparar a população para um governo conservador sob o comando dos militares. A partir de então, todas as notícias eram em contrário ao governo e de exaltação dos homens de farda e de sua moral, como a disciplina e a hierarquia. Para se ter uma ideia o que hoje é tido como golpe, na época foi apresentado como “revolução democrática de 1964”. Em resumo, os jornais exerceram um papel fundamental na legitimação do regime de terror instalado por civis e militares. Nesta mesma década, a televisão ainda era só para os ricos.

Durante as ditaduras e em grande parte dos períodos chamados de democráticos, os jornais combativos dos trabalhadores foram fechados. Alguns ainda conseguiram funcionar, mas clandestina e muito precariamente, portanto com pouco alcance.

Em fins da década de 1970, e início de 1980, a televisão havia se popularizado. No final dos anos 1980, segundo dados do IBGE, havia nos lares brasileiros mais televisões do que geladeiras. Por consequência, a TV era sinônimo de riqueza e entretenimento, substituindo o protagonismo exercido pelo rádio e pelo jornal em décadas anteriores. Não obstante, a televisão continuou a exercer o papel político dos instrumentos anteriores e ainda de maneira mais eficaz. Um dos princípios fundamentais do liberalismo, o individualismo, foi deveras estimulado pela TV, pois de fato se conversa menos com os vizinhos e com as próprias famílias. Quando existem as conversas, na maioria das vezes elas são pautadas pelo que passou na TV. A partir desta premissa, alguns teóricos argumentam que o que não está na TV não está no mundo.

A televisão exerceu com maestria a sua função política na década de oitenta, fosse criticando o movimento operário do ABC e todos os demais movimentos sociais autônomos, fosse intervindo fortemente na política e na formação do pensamento da população brasileira.

O grande conglomerado midiático pertencente a poucas famílias atuou de maneira distinta ao longo do tempo. Durante as décadas de 60 e 70 apoiou os interesses dos EUA e do capitalismo, criminalizando as ligas camponesas, a luta armada, as propostas comunistas, e legitimou o golpe civil-militar e o seu governo ditatorial. Na década de 1980, quando grande parte da população acreditava na mudança via institucional, sobretudo com a possibilidade de eleições diretas, a crítica se direcionou aos movimentos e partidos políticos que ocupavam o espectro da esquerda. Nos anos 1990, o principal alvo foi o maior movimento social daquele momento, o MST, ademais, o PT e o PDT também sofreram nas mãos dos “donos da informação”. Já na primeira década do novo milênio, os partidos já não causavam nenhuma ameaça aos interesses do capital e portanto foram objetos apenas de acusações de corrupções e malversação do dinheiro público como os partidos tradicionais. Veremos alguns exemplos a seguir. Antes é mister destacar que por todas essas décadas os movimentos populares autônomos jamais tiveram suas demandas divulgadas plenamente por esses meios de comunicação. Enquanto os partidos ainda tinham alguma coisa divulgada, embora muito deturpada; os movimentos sociais, em função da censurados grandes meios de comunicação, aparecem apenas quando fazem muito barulho, todavia como se não tivessem quaisquer propostas. E essa aparição acontece somente para ser alvo de críticas. Vejamos algumas experiências de atuação da mídia no campo institucional, depois abordaremos sobre os movimentos sociais autônomos.

Em 1982, por exemplo, a Globo, junto com as pesquisas de opinião, tentou formar um consenso contra a candidatura de oposição de Brizola, dizendo que o candidato estaria em quarto lugar na disputa pelo governo do estado do Rio de Janeiro. E tudo daria certo se não fosse a contagem paralela dos votos feita pela rádio Jornal do Brasil. Percebeu-se que existia um conluio para forçar a vitória do candidato governista. Este caso ficou conhecido como “caso Proconsult”. Depois disso, reconheceu-se a vitória de Brizola.

Outra intervenção importante foi na tentativa de ignorar o movimento das “Diretas Já”, em 1984. Este foi um dos episódios mais bizarros da história da intervenção da mídia na política. Enquanto milhares de pessoas protestavam pelas “Diretas Já”, em São Paulo, a Globo entrou com um repórter, como não dava mais para omitir os fatos, dizendo que as pessoas ali estavam para comemorar o aniversário de São Paulo, induzindo que não havia qualquer movimento político.

Mas a manipulação foi se sofisticando. As novelas exerceram e exercem um papel fundamental na divulgação do individualismo e na ojeriza às associações coletivas dos trabalhadores em geral. Normalmente, a matriz das novelas é sempre a mesma. Uma pessoa muito boa confia plenamente na outra que a trai sorrateiramente. Essa matriz repetida várias vezes faz com que as pessoas não confiem nas outras e tenham sempre medo de se associar. Outrossim, nas eleições de 1989, as três novelas da noite trataram de forma latente as eleições contribuindo para a vitória do candidato neoliberal.

Como não dava mais para apoiar a ditadura militar, as televisões brasileiras passaram a jogar pesado na luta política institucional. A principal mensagem continha a perspectiva de que para a melhoria de vida das pessoas elas tinham que estudar, se dedicar no trabalho, e saber votar. Escolher o candidato certo era condição sinequa non para melhorar as condições de vida de todos. Concomitante a isso, também divulgarama mensagem segundo a qual a luta direta econômica por melhores salários, de dignidade no trabalho etc era um absurdo intolerável. No longo prazo venceu esta perspectiva, defendendo que as esperanças eleitorais são legítimas, enquanto a greve (luta econômica) é maléfica.

A aplicabilidade deste raciocínio aconteceu nas eleições presidenciais de 1989 e nas demais até 1998. Por um conluio entre grande mídia e pesquisas de opinião forjou-se o seguinte: “as greves fazem os eleitores não votarem em Lula (1989); as ocupações de terra do MST retiram votos do Lula (1994 e 1998). Essas mensagens cotidianas arrefeciam a luta do PT, da CUT e até de grande parte do MST. Os próprios candidatos, com medo de perder votos, pediam aos movimentos que não fizessem mais ocupação de terras ou greves. Assim, as expectativas eleitorais venceram a luta direta econômica. Uma grande derrota para os movimentos autônomos populares e de luta.

Nas eleições de 1989, uma das mais importantes da história do país, a grande mídia atuou incisivamente para a vitória do candidato neoliberal, através de novelas, telejornais e manipulações das mais diversas.

Com a vitória de Collor, os meios de comunicação começaram uma outra empreitada: estabelecer o consenso em torno das políticas neoclássicas. Foram várias as reportagens criticando as estatais, chamando-as de ineficientes e de cabide de emprego. Além disso, os funcionários públicos e os aposentados foram tratados quase como bandidos. Os demagogos da comunicação diziam que estes eram privilegiados, pois tinham muitos direitos (sic). O Estado era “grande demais e ineficiente.” O Brasil era um país atrasado, por não ter feito as chamadas reformas.

O “consenso” neoliberal foi criado como uma espécie de espiral do silêncio. Este termo foi cunhado por Elisabeth Noëlle-Newmann (1995);de acordo com a qual o conceito “opinião pública” tem sido empregado como uma pressão pela conformidade exercida sobre os cidadãos. No entender desta autora, a maior parte das pessoas tem medo de se sentir isoladas em seu meio social e, por esse motivo, elas se mantêm constantemente observando esse meio a fim de saber que opiniões e comportamentos estão se tornando mais populares, para que possam adequar a sua expressão em público à opinião da maioria. Assim, na medida em que as pessoas percebem que a sua opinião parece ser compartilhada pela maioria, elas tendem a expressá-la em público de modo autoconfiante.

Destarte, esta técnica de persuasão fez estragos sem igual na formação do imaginário coletivo, convencendo o público de que determinadas opiniões são ridículas, ultrapassadas ou já completamente condenadas nos países mais adiantados. Assim, os grandes monopólios da comunicação conseguiram, por exemplo, criar o “consenso” em torno do neoliberalismo.

Era proibido transmitir qualquer pronunciamento contrário às reformas neoliberais nos meios de comunicação e qualquer “pontinha” que saísse era rapidamente ridicularizada. A nossa alternativa era mostrar para a população que existia sim oposição às reformas e ao governo FHC. Como fazer? Manifestações de rua. Assim fomos para as ruas diversas vezes, mas normalmente nossas manifestações eram completamente ignoradas pela grande mídia, não saía uma linha no jornal, nem na TV. Mas um desses casos foi emblemático e cabe relatar. A CUT, o MST, os estudantes e outros movimentos sociais puxaram uma passeata para uma sexta-feira de 1998 contra as reformas de FHC. Éramos aproximadamente uns 30 mil na Av. Rio Branco – no Rio. Havia tempo que não conseguíamos reunir tanta gente. Depois da passeata, corri para casa para ver a repercussão no Jornal Nacional da Rede Globo. Fiquei perplexo como o jornal conseguiu ignorar por completo a passeata. Não saiu nenhum comentário, nem para criticar. Para o resto do Brasil a passeata simplesmente não existiu. No dia seguinte teve uma manifestação de donos de pitbull – eram umas 20 pessoas desfilando com os seus cachorros pela mesma avenida Rio Branco. Na ocasião estava em discussão uma lei para castrar todos os pitbulls, em função de alguns ataques sobre pessoas. Esta manifestação foi capa do jornal O Globo de domingo!

As greves, manifestações e todosos tipos de reivindicações foram intensamente atacadas como meios violentos, autoritários e desrespeitosos com a população, quando não era completamente ignorada. Quando a manifestação era muito grande, a regra era mostrá-la com os respectivos efeitos nefastos que traziam. Assim, uma reportagem que me marcou muito foi a cobertura de uma passeata do MST. O repórter mostrou a passeata que ocupava toda a via, tomando cuidado para não mostrar os cartazes etc, depois veio fechando a imagem até os carros parados, obstaculizados pela passeata, e fechou completamente em uma ambulância. Simultaneamente, o repórter fez o seguinte comentário: “essa passeata inconsequente destes manifestantes não só impede que as pessoas cheguem ao seu trabalho, como também pode provocar a morte da pessoa que está nessa ambulância!”

O conteúdo das reivindicações dos manifestantes e porque estavam ali não foi dito, sequer tocado…, não importava, a mensagem que esta reportagem queria passar era simplesmente que fazia mal à sociedade e sorrateiramente causava morte aos indivíduos.

Com a manipulação dos monopólios da comunicação, as manifestações perdiam o sentido, pois acabava tendo efeito contrário, afastando a população das nossas propostas.

Assim, as manifestações, greves, passeatas foram perdendo adesão. Nossos próprios manifestantes não queriam mais aderir. Simultaneamente a isso, outros fatores colaboraram para a derrota da esquerda. Reestruturação produtiva, privatização, alto desemprego, medo de perder o emprego e encrudescimento dos patrões, peleguismo de sindicalistas. Tudo se juntava na bola de neve para derrotar qualquer projeto alternativo ao neoliberalismo e principalmente ao capitalismo.

Na passagem da década de 1990 para o novo milênio, com o fim do “perigo” do comunismo, com as estatais em processo de privatização e com as leis trabalhistas sendo flexibilizadas, o mal a ser combatido passou a ser o tal do traficante. Para tanto, pedia-se repressão e mais repressão. Passamos a viver na sociedade do medo, do terror.

Fernandinho Beira-Mar tornou-se o inimigo número um da sociedade, tal como nos filmes de Hollywood. Este comportamento da grande mídia abriu espaço para a criação e legitimação do absurdo que é o conhecido caveirão – um carro blindado que entra nas favelas do Rio de Janeiro como numa guerra convencional atirando e proferindo palavras de guerra psicológica das mais absurdas possíveis ouvidas por todos na favela, inclusive as crianças. A partir do fim do governo Brizola – que não deixava os policiais subirem os morros atirando e arrombando portas – todos os demais governos, inclusive da Benedita do PT, fizeram o determinado pelos fascistas da comunicação. Entender isso é fácil. Os grandes monopólios se apresentam como veiculadores e condensadores da opinião pública. Os políticos dependem da opinião pública para permanecer no poder. Com efeito, percebe-se que mesmo uma negra e ex-moradora de favela podeimplementar as políticas covardes defendidas nas televisões e jornais contra os seus pobres moradores.

Na arena político-partidária eleitoral, o papel da mídia também foi intenso. Na campanha eleitoral de 1989, todas as notícias foram em contrário aos candidatos Lula e Brizola que representavam esperança de mudanças. Roberto Marinho, ainda vivo, escrevia editorias na capa do jornal para ser lido até por aqueles que apenas leem a primeira página ainda na banca.

Não obstante, em 1989, a campanha da grande mídia, embora vitoriosa, não deu totalmente certo, pois com movimento social relativamente organizado e com a clareza de que os canais de TV representavam os interesses da burguesia, houve ainda forte resistência social.

Qual foi a grande artimanha da mídia para mudar este quadro? No ano de 1992, a Globo assumiu o protagonismo na denúncia do governo Collor. A própria Globo foi a principal personagem do “Fora Collor”, estimulando os estudantes – chamados de caras-pintadas – a reivindicarem nas ruas. Assim, os militantes da esquerda para convencer outras pessoas pediam que assistissem aos noticiários da TV. Ficávamos felizes em assistir a ampla cobertura das passeatas pela televisão. No movimento do Fora Collor existiam pelo menos três vertentes: uma, institucionalista, defendia apenas o impeachment com assunção do seu vice; outra, composta pelo setor mais radicalizado dos partidos políticos, defendia eleições gerais já. A terceira, muito menor, defendia o fim das eleições e do próprio Estado. As duas últimas vertentes não tiveram nenhum espaço nos monopólios da comunicação, colaborando para o consenso institucional burguês.

Por consequência, Itamar Franco, homem de confiança de Collor – tanto que foi escolhido para ser o seu vice na chapa -, assumiu o poder e foi apresentado pela mídia como homem idôneo e honesto, apontando o cessamentodefinitivo das reinvindicações.

Apesar desta articulação, tudo indicaria que Lula teria vitória fácil na próxima eleição. Mas o principal poder conseguiu reverter o quadro e elegeu FHC. O fato que mais chamou a atenção aconteceu quando o então ministro Rubens Ricupero na sede da Rede Globo afirmou que não tinha escrúpulos e “o que era bom (para o governo) ele mostrava e o que era ruim ele escondia” para favorecer a campanha eleitoral de FHC. Só tivemos a certeza disto porque um técnico esqueceu, propositadamente ou não, a câmera ligada e a antena parabólica transmitiu. Depois de uma afirmação desta, não saiu nenhuma reportagem nas organizações Globo sobre o assunto. Foi publicada apenas uma pequena nota no jornal Folha de São Paulo. Uma notícia dessa magnitude seria para sair na primeira página de qualquer jornal. O óbvio é que a mídia tem seus interesses e escolhidos.

Em 1998, o Brasil passou por uma de suas piores crises econômicas. O desemprego nunca esteve tão alto, as desigualdades etc. A mídia conseguiu esconder tudo isso e reelegeu FHC. Parecia que não tinha campanha eleitoral. Os monopólios da comunicação não deixaram circular as propostas alternativas. Em 2002, Lula e o PT não representavam nem de longe o que foram nos anos oitenta, passando a representar descaradamente os interesses do capital. Já não causavam medo a ninguém, somente à Regina Duarte, totalmente despolitizada. Lula e o PT venceram. Perderam os movimentos sociais autônomos. A luta dos trabalhadores se institucionalizou ainda mais e a esperança virou decepção, cooptação, comodismo, individualismo, instaurou-se um capitalismo sindicalista de conciliação.

Por outro lado, surgiram novos movimentos sociais e de luta por terra, moradia, emancipação e direitos. A FLP (Frente de luta popular) foi um desses. Um dos seus principais objetivos era aglutinar as diversas organizações populares nas comunidades (favelas) do Rio e articulá-las com outras lutas pelo país. Pelos idos de 1999 e 2000, a FLP ganhou grande projeção no movimento popular brasileiro, conseguindo puxar manifestações emblemáticas no Shopping Rio Sul, e depois na Candelária e Central do Brasil. A projeção foi proporcional ao evidente e natural medo das elites. Com efeito, entra a grande mídia na cena. Lembro até hoje de uma das reportagens do RJ-TV, na qual afirmava tratar-se de organização de bandidos (traficantes, era o bordão da moda) que visava manipular os pobres das favelas e que a polícia estaria pronta para prender os “meliantes” nas manifestações. Depois deste ataque compulsivo muitas pessoas ficaram com medo de se associar às nossas lutas.

Mais tarde, o movimento sem-teto ganhou bastante espaço na luta cotidiana da ação direta, mas nenhuma reportagem favorável ou pelo menos isenta na grande mídia. Várias ocupações foram realizadas, muitas delas conduzidas por integrantes da FLP, MTST, FIST e outros. Dentre os vários movimentos e tentativas de organização popular podemos destacar também o MTD, o MTD pela base, a Assembleia Popular, diversas outras organizações de luta pela terra como o MTL, sem contar a luta sindical, cada vez mais burocratizada, corporativista e reformista é verdade, porém ainda com algum resquício de luta em alguns setores da CONLUTAS, por exemplo. No Rio, ainda temos alguns coletivos que tentam organizar a luta direta desvencilhados dos partidos políticos mais interessados em ganhar as eleições e cargos para seus quadros, como a FARJ, Terra e Liberdade, UNIPA. Não obstante, nenhum espaço sobre esses movimentos na TV, nem nos jornais. Isto se chama censura!

Sem nenhum espaço de comunicação com a população,a esquerda não existe. Os ideais de igualdade, liberdade, coletivismo foram abolidas do imaginário social. Socialismo, comunismo, anarquismo foram transformados em palavras carregadas de caráter pejorativo.

Subcomandante Marcos do Exército Zapatista de Libertação Nacional disse certa vez em entrevista:

“Não temos medo das ideias fascistas que possam existir no seio da sociedade. Costumamos dizer: estamos convencidos de que, se for possível utilizar convenientemente os grandes meios de comunicação de massa e entrar diretamente em contato com as pessoas, as propostas mais humanas, as mais racionais, as mais justas, as mais livres e as mais democráticas acabarão por levar a melhor. E apostamos nisso. Não se trata de proibir as ideias que não são nossas, mas sim de permitir que todas as ideias se exprimam no perímetro do espaço político, até mesmo as mais hostis às nossas convicções, e de deixar as pessoas decidirem. Não é a força que deve decidir, mas a razão.”

Com base no histórico do papel dos meios de comunicação no Brasil e nessa citação fantástica, percebemos que os grandes monopólios da comunicação não deixam as diferentes opiniões circularem livremente. Não há qualquer espaço para críticas ao capitalismo. Não há qualquer espaço para defesa do socialismo. Aliás, em função da espiral do silêncio se defendemos tais propostas somos considerados loucos, baderneiros, utópicos etc – a lista é imensa.

No ano de 2009, a grande mídia deflagrou uma enorme campanha contra um livro didático de História que fazia críticas ao capitalismo e elogios ao socialismo. Articulistas da Rede Globo, do jornal O Globo e da Revista Veja defenderam que o livro fosse banido. O autor não teve nenhum direito de se defender, muito menos de resposta. Teve sua carreira arruinada. O livro foi retirado da lista do MEC e portanto não é mais possível que os estudantes da rede pública o leiam.

Assim, os grandes meios de formação política da burguesia atacam, destroem e cooptam os pensadores críticos ao sistema do capital. Alguns ficam encantados e mudam de lado. Outros caem no ostracismo completo.

Atualmente, os jornais populares estampam mulheres seminuas em suas capas e gastam muitas páginas com esporte e comentários sobre novelas. Quando discutem política ficam estritamente presos às demandas da institucionalidade de acusações de corrupções individuais e reproduzem os discursos de políticos, favorecendo candidatos do partido “a” ou “b”. Os jornais para as elites trazem uma discussão mais ampla e menos idiotizante, porém igualmente aos periódicos populares, nunca se perguntam sobre os principais problemas da população mais pobre e explorada ou quando o fazem dão uma solução muito conservadora para as questões. Além do mais, a voz dos movimentos sociais autônomos não é veiculada. Caso qualquer pesquisador procure nos jornais o que os movimentos autônomos defendem ficaria com a impressão de que eles simplesmente não existem.

Algumas rádios e até canais de TV tentam apresentar-se como representantes legítimos da população por meio de reportagens que denunciam buracos nas ruas, falta de luz, água etc, chamando o poder público para se pronunciar sobre o assunto e chegam a cobrar veementemente a solução do problema. Esses noticiários acontecem geralmente no âmbito municipal e caracterizam-se por exigir ações de prefeituras. Embora pareça que a grande mídia está a serviço da população, na verdade, ela busca desviar o foco das principais necessidades atraindo e traindo o imaginário da população para concluir que a mídia está a seu serviço.

Entretanto, se o grande monopólio da comunicação estivesse realmente preocupado com a vida dos mais pobres como busca se apresentar, por exemplo:

1)      não defenderia as incursões dos caveirões nas favelas;

2)      seria contra inclusive aos ataques das polícias que já resultaram em milhares de mortes ao longo dos últimos anos;

3)      não seria contra o MST e outros movimentos populares que lutam por reforma agrária, nem contra a própria reforma agrária.

4)      defenderia cotidianamente um eficiente programa habitacional para o povo pobre, sem endividá-lo para a vida toda;

5)      defenderia a diminuição das passagens de ônibus, trens e barcas, das tarifas de água e luz com vistas à melhoria na vida dessas pessoas;

6)      seria a favor de uma política de emprego e de distribuição de renda, aumento de salários, diminuição da jornada de trabalho;

7)      defenderia o fim da alienação do trabalho e o funcionamento da democracia direta e a autogestão;

8) daria plena cobertura às lutas econômicas diretas dos trabalhadores, sem criminalizá-las e além disso mostraria o quanto é importante lutar por vida melhor;

9) não trataria as greves, manifestações e passeatas como coisa de baderneiros etc.

10) exigiria do governo investimento massivo em Educação e Saúde.

Todos esses aspectos em seu conjunto representariam, sim, uma verdadeiramente preocupação com a vida dos mais pobres. Para ajudá-los sugerimos às redações que façam uma única reportagem sobre o preço das passagens de ônibus. Por exemplo, no Rio de Janeiro, quando o plano real foi posto em prática (1994) a passagem custava R$0,30, hoje custa R$2,75: um aumento de aproximadamente 800%. O salário de quem aumentou nessa percentagem? Esta seria uma reportagem a favor dos pobres e usuários de transporte público.

Podemos ainda elencar outras, tais como: por que a gasolina é tão cara no país, se já somos auto-suficientes em petróleo? Por que o fruto do trabalho do trabalhador não lhe pertence? Por que as máquinas substituem o trabalhador ao invés de diminuir a jornada de trabalho de todos? Por que os juros dos bancos são tão altos? São tantas questões que é melhor pararmos por aqui. Estas são apenas amostras do que a grande mídia poderia fazer, mas não faz. Será por quê? Temos várias respostas para estas questões, mas uma certeza, ninguém poderá dizer que os grandes monopólios de comunicação no país estão a serviço dos mais pobres ou dos trabalhadores.

Para o caso da greve dos docentes das universidades federais, um setor importantíssimo do país, os grandes monopólios da comunicação deveriam entrevistar alguns membros do comando nacional de greve, ouvir os sindicatos participantes e divulgar seus motivos. Também deveriam ouvir o governo. Mas não é assim que funciona. A grande mídia assume o lado do governo e legitima suas propostas normalmente contrárias as greves.

Para o caso da Rio+20, a grande mídia deveria ouvir amplamente os movimentos sociais autônomos. Divulgar suas ideias para a população e deixar que ela decida sobre o que deve ser feito para salvar o planeta.

Como nos dois casos, a mídia seleciona o que pode ser dito, então só podemos concluir que vivemos sob censura, uma forte censura seletiva, pois a voz de todos os movimentos autônomos anticapitalistas simplesmente é ignorada, nas pouquíssimas vezes que aparecem são prontamente ridicularizadas, achincalhadas. Enquanto as vozes fascistas que clamam por mais repressão, segurança, ordem, punição, penalidade, hierarquia têm ampla divulgação. Só a título de ilustração, no último domingo ocorreram as eleições no México e todas as reportagens quando se referiam ao candidato do PRDo denominavam de “esquerdista”, enquanto os candidatos do PAN e do PRI não eram classificados como “direitistas”. E olhem que o candidato do PRD é apenas reformista.

Por fim, uma defesa dos despossuídos dos meios de produção passa necessariamente pelo fim do capitalismo, da exploração, da desigualdade que só poderá se concretizar com plena liberdade e igualdade. Isso a grande mídia jamais poderá sequer tangenciar, pois está comprometida com o capital e seus abusos, mas para além disso: tem como papel desvirtuar as críticas ao sistema e ajudar – através de impiedosa censura – a criar cordeirinhos que se subordinam facilmente, produzindo riquezas para os donos do poder e do capital.



[1]Prof.do Departamento de Ciência Política da UFRJ.

Wallace dos Santos de Moraes[1]

Texto escrito durante a greve docente de 2012

Resumo:O objetivo deste trabalho é resgatar algumas intervenções da grande mídia brasileira sobre acontecimentos políticos e evidenciar o seu caráter partidário em defesa do capitalismo e da institucionalização da luta do trabalhador, colocando como anátema as perspectivas da luta econômica direta.

Atualmente, grande parte dos professores brasileiros encontra-se em greve. A maioria das instituições federais de ensino fez esta opção em função da luta por um plano de carreira decente, dentre outros pontos, negados pelo governo há tempos. É óbvio que a greve significa enfrentamento com o poder e luta direta econômica. O problema é que os docentes não têm espaço na grande mídia para expressar os seus motivos e esclarecer à população. Nossas manifestações vêm sendo sorrateiramente ignoradas ou não contempladas na sua magnitude pelos monopólios da comunicação. No dia 20 de junho, o pessoal da educação fez uma grande manifestação no Centro do Rio por conta da Rio+20, juntando-se aos movimentos sociais e ambientais. Na semana seguinte, mais precisamente no dia 28 de junho, fizemos outra manifestação no Centro do Rio. Não tínhamos as 80 mil da semana anterior, éramos poucos, umas cinco centenas, entretanto,o jornal O Globo ignorou por completo, tal como normalmente fez ao longo da nossa recente história. Não obstante, no domingo seguinte, dia 01 de julho,o jornal estampa em sua capa, como principal manchete: “Setor público paga mais do que empresa privada”. Esta notícia vem justamente quando o funcionalismo público começa a se mobilizar e reivindicar melhores salários, condições de emprego e planos de carreira! Com essa reportagem o jornal passa para a “fase dois”. Na primeira, ele tenta ignorar o movimento reivindicativo; quando não consegue fazer perder força o movimento pela tática de “não está na mídia, não existe”, a família Marinho e seus funcionários entram na fase dois e começam a tentar minar o movimento,procurando deslegitimá-lo. Corroborando nossa análise, uma das passagens do jornal diz o seguinte:

“…como os servidores têm estabilidade, uma espécie de seguro, deveriam ganhar menos do que os que estão no setor privado, que correm mais riscos: pode-se dizer que o funcionalismo tem uma dupla vantagem, o salário mais alto e a estabilidade” (Jornal O globo, 01 de julho, p. 03).

O jornal, como de práxis, sem nenhum critério, defende que o funcionalismo público deveria receber menos que o setor privado!!! Essas palavras vêm junto a uma análise de um professor da FGV, na tentativa de dar tom científico a este raciocínio ultraliberal.

Durante a Rio+20, a insatisfação dentre os ambientalistas, movimentos sociais e pessoas compromissadas com o futuro do planeta foi enorme. Como resultado, tivemos diversas manifestações, a maior de todas, ocorreu no centro do Rio com aproximadamente 80 mil pessoas. A grande mídia não pôde ignorar a grande manifestação de massa, sobretudo em função das diversas organizações de todo o mundo aqui presente. Todavia, fez uma cobertura que não condiz com a realidade. Primeiro, saiu no jornal O Globo do dia seguinte que éramos apenas 20 mil pessoas. Um absurdo! Mais uma vez apenas os setores institucionalizados tiveram espaço. Os movimentos sociais não bajuladores do sistema capitalista e aqueles mais populares não tiveram suas propostas divulgadas/relatadas. O movimento da Vila Autódromo não teve suas premissas consideradas. Os manifestantes do Ocupa Rio recorreram para a nudez com vistas a aparecer suas propostas e críticas, porém o jornal muito eficazmente divulgou a foto sem as mensagens de contestação. Enfim, ratificando nossa questão, os grandes monopólios da comunicação informaram que defendíamos a tal economia verde que assevera que é possível salvar o planeta e seus habitantes, transformando tudo em mercadoria. Lamentável, mas nem um pouco surpreendente. O papel histórico exercido pelos grandes meios de comunicação no Brasil tem sido exatamente este, desvirtuar, criminalizar ou ignorar o papel exercido pelos movimentos sociais autônomos no país, sobretudo aqueles que criticam o sistema capitalista, enquanto divulgam sobremaneira outros institucionais e defensores do sistema como, por exemplo,o “Viva Rico”.

O texto que segue abaixo objetiva discutir e apontar algumas experiências de cobertura da mídia sobre as grandes manifestações sociais no Brasil, ajudando-nos a entender como são realizadas as manipulações e porque as greves, como a atual dos docentes, e todas as lutas diretas econômicas são ignoradas e desvirtuadas. Vamos ao debate.

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No mundo contemporâneo, a maior parte das pessoas informa-se acerca dos acontecimentos do mundo, do país, do estado, políticos, econômicos e sociais pelos grandes meios de comunicação. Nesse sentido, ter o controle da grande mídia, que se constituiu no Brasil, e em todo o mundo, em grandes monopólios da comunicação, significa ter uma arma política importantíssima.

No Brasil, por exemplo, com o objetivo de frear, cooptar e controlar o crescente movimento operário, foi criado por Getúlio Vargas, na década de 1930, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). A função principal deste departamento foi de forjar a imagem do Presidente da República como o “pai dos pobres”, asseverando que os direitos sociais foram concessões generosas suas, absolutamente descoladas da luta dos trabalhadores. Segundo os jornais, e, principalmente, o rádio, não existia ditadura e conformou-se a imagem de Vargas como um presidente benevolente para a classe trabalhadora. É claro que se ignorou a forte repressão e perseguição aos sindicatos de orientação anticapitalista.

Os jornais e o rádio foram fundamentais para conformar na sociedade a ideia segundo a qual anarquismo é sinônimo de desordem e bagunça, e os comunistas “comiam” criancinhas e iriam tomar as casas das pessoas etc. Esses absurdos ainda hoje são reproduzidos por muitos na sociedade, confirmando o êxito da propaganda que fora feita.

Em belo livro de 1981, intitulado: “1964: A conquista do Estado”, René Dreiffus nos mostra que às vésperas do golpe civil-militar de 1964, os principais representantes dos maiores jornais no país, como O Globo, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e outros, bem como representantes da burguesia com a ajuda dos EUA formaram o IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais), cujo principal objetivo era desestabilizar o governo de João Goulart e preparar a população para um governo conservador sob o comando dos militares. A partir de então, todas as notícias eram em contrário ao governo e de exaltação dos homens de farda e de sua moral, como a disciplina e a hierarquia. Para se ter uma ideia o que hoje é tido como golpe, na época foi apresentado como “revolução democrática de 1964”. Em resumo, os jornais exerceram um papel fundamental na legitimação do regime de terror instalado por civis e militares. Nesta mesma década, a televisão ainda era só para os ricos.

Durante as ditaduras e em grande parte dos períodos chamados de democráticos, os jornais combativos dos trabalhadores foram fechados. Alguns ainda conseguiram funcionar, mas clandestina e muito precariamente, portanto com pouco alcance.

Em fins da década de 1970, e início de 1980, a televisão havia se popularizado. No final dos anos 1980, segundo dados do IBGE, havia nos lares brasileiros mais televisões do que geladeiras. Por consequência, a TV era sinônimo de riqueza e entretenimento, substituindo o protagonismo exercido pelo rádio e pelo jornal em décadas anteriores. Não obstante, a televisão continuou a exercer o papel político dos instrumentos anteriores e ainda de maneira mais eficaz. Um dos princípios fundamentais do liberalismo, o individualismo, foi deveras estimulado pela TV, pois de fato se conversa menos com os vizinhos e com as próprias famílias. Quando existem as conversas, na maioria das vezes elas são pautadas pelo que passou na TV. A partir desta premissa, alguns teóricos argumentam que o que não está na TV não está no mundo.

A televisão exerceu com maestria a sua função política na década de oitenta, fosse criticando o movimento operário do ABC e todos os demais movimentos sociais autônomos, fosse intervindo fortemente na política e na formação do pensamento da população brasileira.

O grande conglomerado midiático pertencente a poucas famílias atuou de maneira distinta ao longo do tempo. Durante as décadas de 60 e 70 apoiou os interesses dos EUA e do capitalismo, criminalizando as ligas camponesas, a luta armada, as propostas comunistas, e legitimou o golpe civil-militar e o seu governo ditatorial. Na década de 1980, quando grande parte da população acreditava na mudança via institucional, sobretudo com a possibilidade de eleições diretas, a crítica se direcionou aos movimentos e partidos políticos que ocupavam o espectro da esquerda. Nos anos 1990, o principal alvo foi o maior movimento social daquele momento, o MST, ademais, o PT e o PDT também sofreram nas mãos dos “donos da informação”. Já na primeira década do novo milênio, os partidos já não causavam nenhuma ameaça aos interesses do capital e portanto foram objetos apenas de acusações de corrupções e malversação do dinheiro público como os partidos tradicionais. Veremos alguns exemplos a seguir. Antes é mister destacar que por todas essas décadas os movimentos populares autônomos jamais tiveram suas demandas divulgadas plenamente por esses meios de comunicação. Enquanto os partidos ainda tinham alguma coisa divulgada, embora muito deturpada; os movimentos sociais, em função da censurados grandes meios de comunicação, aparecem apenas quando fazem muito barulho, todavia como se não tivessem quaisquer propostas. E essa aparição acontece somente para ser alvo de críticas. Vejamos algumas experiências de atuação da mídia no campo institucional, depois abordaremos sobre os movimentos sociais autônomos.

Em 1982, por exemplo, a Globo, junto com as pesquisas de opinião, tentou formar um consenso contra a candidatura de oposição de Brizola, dizendo que o candidato estaria em quarto lugar na disputa pelo governo do estado do Rio de Janeiro. E tudo daria certo se não fosse a contagem paralela dos votos feita pela rádio Jornal do Brasil. Percebeu-se que existia um conluio para forçar a vitória do candidato governista. Este caso ficou conhecido como “caso Proconsult”. Depois disso, reconheceu-se a vitória de Brizola.

Outra intervenção importante foi na tentativa de ignorar o movimento das “Diretas Já”, em 1984. Este foi um dos episódios mais bizarros da história da intervenção da mídia na política. Enquanto milhares de pessoas protestavam pelas “Diretas Já”, em São Paulo, a Globo entrou com um repórter, como não dava mais para omitir os fatos, dizendo que as pessoas ali estavam para comemorar o aniversário de São Paulo, induzindo que não havia qualquer movimento político.

Mas a manipulação foi se sofisticando. As novelas exerceram e exercem um papel fundamental na divulgação do individualismo e na ojeriza às associações coletivas dos trabalhadores em geral. Normalmente, a matriz das novelas é sempre a mesma. Uma pessoa muito boa confia plenamente na outra que a trai sorrateiramente. Essa matriz repetida várias vezes faz com que as pessoas não confiem nas outras e tenham sempre medo de se associar. Outrossim, nas eleições de 1989, as três novelas da noite trataram de forma latente as eleições contribuindo para a vitória do candidato neoliberal.

Como não dava mais para apoiar a ditadura militar, as televisões brasileiras passaram a jogar pesado na luta política institucional. A principal mensagem continha a perspectiva de que para a melhoria de vida das pessoas elas tinham que estudar, se dedicar no trabalho, e saber votar. Escolher o candidato certo era condição sinequa non para melhorar as condições de vida de todos. Concomitante a isso, também divulgarama mensagem segundo a qual a luta direta econômica por melhores salários, de dignidade no trabalho etc era um absurdo intolerável. No longo prazo venceu esta perspectiva, defendendo que as esperanças eleitorais são legítimas, enquanto a greve (luta econômica) é maléfica.

A aplicabilidade deste raciocínio aconteceu nas eleições presidenciais de 1989 e nas demais até 1998. Por um conluio entre grande mídia e pesquisas de opinião forjou-se o seguinte: “as greves fazem os eleitores não votarem em Lula (1989); as ocupações de terra do MST retiram votos do Lula (1994 e 1998). Essas mensagens cotidianas arrefeciam a luta do PT, da CUT e até de grande parte do MST. Os próprios candidatos, com medo de perder votos, pediam aos movimentos que não fizessem mais ocupação de terras ou greves. Assim, as expectativas eleitorais venceram a luta direta econômica. Uma grande derrota para os movimentos autônomos populares e de luta.

Nas eleições de 1989, uma das mais importantes da história do país, a grande mídia atuou incisivamente para a vitória do candidato neoliberal, através de novelas, telejornais e manipulações das mais diversas.

Com a vitória de Collor, os meios de comunicação começaram uma outra empreitada: estabelecer o consenso em torno das políticas neoclássicas. Foram várias as reportagens criticando as estatais, chamando-as de ineficientes e de cabide de emprego. Além disso, os funcionários públicos e os aposentados foram tratados quase como bandidos. Os demagogos da comunicação diziam que estes eram privilegiados, pois tinham muitos direitos (sic). O Estado era “grande demais e ineficiente.” O Brasil era um país atrasado, por não ter feito as chamadas reformas.

O “consenso” neoliberal foi criado como uma espécie de espiral do silêncio. Este termo foi cunhado por Elisabeth Noëlle-Newmann (1995);de acordo com a qual o conceito “opinião pública” tem sido empregado como uma pressão pela conformidade exercida sobre os cidadãos. No entender desta autora, a maior parte das pessoas tem medo de se sentir isoladas em seu meio social e, por esse motivo, elas se mantêm constantemente observando esse meio a fim de saber que opiniões e comportamentos estão se tornando mais populares, para que possam adequar a sua expressão em público à opinião da maioria. Assim, na medida em que as pessoas percebem que a sua opinião parece ser compartilhada pela maioria, elas tendem a expressá-la em público de modo autoconfiante.

Destarte, esta técnica de persuasão fez estragos sem igual na formação do imaginário coletivo, convencendo o público de que determinadas opiniões são ridículas, ultrapassadas ou já completamente condenadas nos países mais adiantados. Assim, os grandes monopólios da comunicação conseguiram, por exemplo, criar o “consenso” em torno do neoliberalismo.

Era proibido transmitir qualquer pronunciamento contrário às reformas neoliberais nos meios de comunicação e qualquer “pontinha” que saísse era rapidamente ridicularizada. A nossa alternativa era mostrar para a população que existia sim oposição às reformas e ao governo FHC. Como fazer? Manifestações de rua. Assim fomos para as ruas diversas vezes, mas normalmente nossas manifestações eram completamente ignoradas pela grande mídia, não saía uma linha no jornal, nem na TV. Mas um desses casos foi emblemático e cabe relatar. A CUT, o MST, os estudantes e outros movimentos sociais puxaram uma passeata para uma sexta-feira de 1998 contra as reformas de FHC. Éramos aproximadamente uns 30 mil na Av. Rio Branco – no Rio. Havia tempo que não conseguíamos reunir tanta gente. Depois da passeata, corri para casa para ver a repercussão no Jornal Nacional da Rede Globo. Fiquei perplexo como o jornal conseguiu ignorar por completo a passeata. Não saiu nenhum comentário, nem para criticar. Para o resto do Brasil a passeata simplesmente não existiu. No dia seguinte teve uma manifestação de donos de pitbull – eram umas 20 pessoas desfilando com os seus cachorros pela mesma avenida Rio Branco. Na ocasião estava em discussão uma lei para castrar todos os pitbulls, em função de alguns ataques sobre pessoas. Esta manifestação foi capa do jornal O Globo de domingo!

As greves, manifestações e todosos tipos de reivindicações foram intensamente atacadas como meios violentos, autoritários e desrespeitosos com a população, quando não era completamente ignorada. Quando a manifestação era muito grande, a regra era mostrá-la com os respectivos efeitos nefastos que traziam. Assim, uma reportagem que me marcou muito foi a cobertura de uma passeata do MST. O repórter mostrou a passeata que ocupava toda a via, tomando cuidado para não mostrar os cartazes etc, depois veio fechando a imagem até os carros parados, obstaculizados pela passeata, e fechou completamente em uma ambulância. Simultaneamente, o repórter fez o seguinte comentário: “essa passeata inconsequente destes manifestantes não só impede que as pessoas cheguem ao seu trabalho, como também pode provocar a morte da pessoa que está nessa ambulância!”

O conteúdo das reivindicações dos manifestantes e porque estavam ali não foi dito, sequer tocado…, não importava, a mensagem que esta reportagem queria passar era simplesmente que fazia mal à sociedade e sorrateiramente causava morte aos indivíduos.

Com a manipulação dos monopólios da comunicação, as manifestações perdiam o sentido, pois acabava tendo efeito contrário, afastando a população das nossas propostas.

Assim, as manifestações, greves, passeatas foram perdendo adesão. Nossos próprios manifestantes não queriam mais aderir. Simultaneamente a isso, outros fatores colaboraram para a derrota da esquerda. Reestruturação produtiva, privatização, alto desemprego, medo de perder o emprego e encrudescimento dos patrões, peleguismo de sindicalistas. Tudo se juntava na bola de neve para derrotar qualquer projeto alternativo ao neoliberalismo e principalmente ao capitalismo.

Na passagem da década de 1990 para o novo milênio, com o fim do “perigo” do comunismo, com as estatais em processo de privatização e com as leis trabalhistas sendo flexibilizadas, o mal a ser combatido passou a ser o tal do traficante. Para tanto, pedia-se repressão e mais repressão. Passamos a viver na sociedade do medo, do terror.

Fernandinho Beira-Mar tornou-se o inimigo número um da sociedade, tal como nos filmes de Hollywood. Este comportamento da grande mídia abriu espaço para a criação e legitimação do absurdo que é o conhecido caveirão – um carro blindado que entra nas favelas do Rio de Janeiro como numa guerra convencional atirando e proferindo palavras de guerra psicológica das mais absurdas possíveis ouvidas por todos na favela, inclusive as crianças. A partir do fim do governo Brizola – que não deixava os policiais subirem os morros atirando e arrombando portas – todos os demais governos, inclusive da Benedita do PT, fizeram o determinado pelos fascistas da comunicação. Entender isso é fácil. Os grandes monopólios se apresentam como veiculadores e condensadores da opinião pública. Os políticos dependem da opinião pública para permanecer no poder. Com efeito, percebe-se que mesmo uma negra e ex-moradora de favela podeimplementar as políticas covardes defendidas nas televisões e jornais contra os seus pobres moradores.

Na arena político-partidária eleitoral, o papel da mídia também foi intenso. Na campanha eleitoral de 1989, todas as notícias foram em contrário aos candidatos Lula e Brizola que representavam esperança de mudanças. Roberto Marinho, ainda vivo, escrevia editorias na capa do jornal para ser lido até por aqueles que apenas leem a primeira página ainda na banca.

Não obstante, em 1989, a campanha da grande mídia, embora vitoriosa, não deu totalmente certo, pois com movimento social relativamente organizado e com a clareza de que os canais de TV representavam os interesses da burguesia, houve ainda forte resistência social.

Qual foi a grande artimanha da mídia para mudar este quadro? No ano de 1992, a Globo assumiu o protagonismo na denúncia do governo Collor. A própria Globo foi a principal personagem do “Fora Collor”, estimulando os estudantes – chamados de caras-pintadas – a reivindicarem nas ruas. Assim, os militantes da esquerda para convencer outras pessoas pediam que assistissem aos noticiários da TV. Ficávamos felizes em assistir a ampla cobertura das passeatas pela televisão. No movimento do Fora Collor existiam pelo menos três vertentes: uma, institucionalista, defendia apenas o impeachment com assunção do seu vice; outra, composta pelo setor mais radicalizado dos partidos políticos, defendia eleições gerais já. A terceira, muito menor, defendia o fim das eleições e do próprio Estado. As duas últimas vertentes não tiveram nenhum espaço nos monopólios da comunicação, colaborando para o consenso institucional burguês.

Por consequência, Itamar Franco, homem de confiança de Collor – tanto que foi escolhido para ser o seu vice na chapa -, assumiu o poder e foi apresentado pela mídia como homem idôneo e honesto, apontando o cessamentodefinitivo das reinvindicações.

Apesar desta articulação, tudo indicaria que Lula teria vitória fácil na próxima eleição. Mas o principal poder conseguiu reverter o quadro e elegeu FHC. O fato que mais chamou a atenção aconteceu quando o então ministro Rubens Ricupero na sede da Rede Globo afirmou que não tinha escrúpulos e “o que era bom (para o governo) ele mostrava e o que era ruim ele escondia” para favorecer a campanha eleitoral de FHC. Só tivemos a certeza disto porque um técnico esqueceu, propositadamente ou não, a câmera ligada e a antena parabólica transmitiu. Depois de uma afirmação desta, não saiu nenhuma reportagem nas organizações Globo sobre o assunto. Foi publicada apenas uma pequena nota no jornal Folha de São Paulo. Uma notícia dessa magnitude seria para sair na primeira página de qualquer jornal. O óbvio é que a mídia tem seus interesses e escolhidos.

Em 1998, o Brasil passou por uma de suas piores crises econômicas. O desemprego nunca esteve tão alto, as desigualdades etc. A mídia conseguiu esconder tudo isso e reelegeu FHC. Parecia que não tinha campanha eleitoral. Os monopólios da comunicação não deixaram circular as propostas alternativas. Em 2002, Lula e o PT não representavam nem de longe o que foram nos anos oitenta, passando a representar descaradamente os interesses do capital. Já não causavam medo a ninguém, somente à Regina Duarte, totalmente despolitizada. Lula e o PT venceram. Perderam os movimentos sociais autônomos. A luta dos trabalhadores se institucionalizou ainda mais e a esperança virou decepção, cooptação, comodismo, individualismo, instaurou-se um capitalismo sindicalista de conciliação.

Por outro lado, surgiram novos movimentos sociais e de luta por terra, moradia, emancipação e direitos. A FLP (Frente de luta popular) foi um desses. Um dos seus principais objetivos era aglutinar as diversas organizações populares nas comunidades (favelas) do Rio e articulá-las com outras lutas pelo país. Pelos idos de 1999 e 2000, a FLP ganhou grande projeção no movimento popular brasileiro, conseguindo puxar manifestações emblemáticas no Shopping Rio Sul, e depois na Candelária e Central do Brasil. A projeção foi proporcional ao evidente e natural medo das elites. Com efeito, entra a grande mídia na cena. Lembro até hoje de uma das reportagens do RJ-TV, na qual afirmava tratar-se de organização de bandidos (traficantes, era o bordão da moda) que visava manipular os pobres das favelas e que a polícia estaria pronta para prender os “meliantes” nas manifestações. Depois deste ataque compulsivo muitas pessoas ficaram com medo de se associar às nossas lutas.

Mais tarde, o movimento sem-teto ganhou bastante espaço na luta cotidiana da ação direta, mas nenhuma reportagem favorável ou pelo menos isenta na grande mídia. Várias ocupações foram realizadas, muitas delas conduzidas por integrantes da FLP, MTST, FIST e outros. Dentre os vários movimentos e tentativas de organização popular podemos destacar também o MTD, o MTD pela base, a Assembleia Popular, diversas outras organizações de luta pela terra como o MTL, sem contar a luta sindical, cada vez mais burocratizada, corporativista e reformista é verdade, porém ainda com algum resquício de luta em alguns setores da CONLUTAS, por exemplo. No Rio, ainda temos alguns coletivos que tentam organizar a luta direta desvencilhados dos partidos políticos mais interessados em ganhar as eleições e cargos para seus quadros, como a FARJ, Terra e Liberdade, UNIPA. Não obstante, nenhum espaço sobre esses movimentos na TV, nem nos jornais. Isto se chama censura!

Sem nenhum espaço de comunicação com a população,a esquerda não existe. Os ideais de igualdade, liberdade, coletivismo foram abolidas do imaginário social. Socialismo, comunismo, anarquismo foram transformados em palavras carregadas de caráter pejorativo.

Subcomandante Marcos do Exército Zapatista de Libertação Nacional disse certa vez em entrevista:

“Não temos medo das ideias fascistas que possam existir no seio da sociedade. Costumamos dizer: estamos convencidos de que, se for possível utilizar convenientemente os grandes meios de comunicação de massa e entrar diretamente em contato com as pessoas, as propostas mais humanas, as mais racionais, as mais justas, as mais livres e as mais democráticas acabarão por levar a melhor. E apostamos nisso. Não se trata de proibir as ideias que não são nossas, mas sim de permitir que todas as ideias se exprimam no perímetro do espaço político, até mesmo as mais hostis às nossas convicções, e de deixar as pessoas decidirem. Não é a força que deve decidir, mas a razão.”

Com base no histórico do papel dos meios de comunicação no Brasil e nessa citação fantástica, percebemos que os grandes monopólios da comunicação não deixam as diferentes opiniões circularem livremente. Não há qualquer espaço para críticas ao capitalismo. Não há qualquer espaço para defesa do socialismo. Aliás, em função da espiral do silêncio se defendemos tais propostas somos considerados loucos, baderneiros, utópicos etc – a lista é imensa.

No ano de 2009, a grande mídia deflagrou uma enorme campanha contra um livro didático de História que fazia críticas ao capitalismo e elogios ao socialismo. Articulistas da Rede Globo, do jornal O Globo e da Revista Veja defenderam que o livro fosse banido. O autor não teve nenhum direito de se defender, muito menos de resposta. Teve sua carreira arruinada. O livro foi retirado da lista do MEC e portanto não é mais possível que os estudantes da rede pública o leiam.

Assim, os grandes meios de formação política da burguesia atacam, destroem e cooptam os pensadores críticos ao sistema do capital. Alguns ficam encantados e mudam de lado. Outros caem no ostracismo completo.

Atualmente, os jornais populares estampam mulheres seminuas em suas capas e gastam muitas páginas com esporte e comentários sobre novelas. Quando discutem política ficam estritamente presos às demandas da institucionalidade de acusações de corrupções individuais e reproduzem os discursos de políticos, favorecendo candidatos do partido “a” ou “b”. Os jornais para as elites trazem uma discussão mais ampla e menos idiotizante, porém igualmente aos periódicos populares, nunca se perguntam sobre os principais problemas da população mais pobre e explorada ou quando o fazem dão uma solução muito conservadora para as questões. Além do mais, a voz dos movimentos sociais autônomos não é veiculada. Caso qualquer pesquisador procure nos jornais o que os movimentos autônomos defendem ficaria com a impressão de que eles simplesmente não existem.

Algumas rádios e até canais de TV tentam apresentar-se como representantes legítimos da população por meio de reportagens que denunciam buracos nas ruas, falta de luz, água etc, chamando o poder público para se pronunciar sobre o assunto e chegam a cobrar veementemente a solução do problema. Esses noticiários acontecem geralmente no âmbito municipal e caracterizam-se por exigir ações de prefeituras. Embora pareça que a grande mídia está a serviço da população, na verdade, ela busca desviar o foco das principais necessidades atraindo e traindo o imaginário da população para concluir que a mídia está a seu serviço.

Entretanto, se o grande monopólio da comunicação estivesse realmente preocupado com a vida dos mais pobres como busca se apresentar, por exemplo:

1)      não defenderia as incursões dos caveirões nas favelas;

2)      seria contra inclusive aos ataques das polícias que já resultaram em milhares de mortes ao longo dos últimos anos;

3)      não seria contra o MST e outros movimentos populares que lutam por reforma agrária, nem contra a própria reforma agrária.

4)      defenderia cotidianamente um eficiente programa habitacional para o povo pobre, sem endividá-lo para a vida toda;

5)      defenderia a diminuição das passagens de ônibus, trens e barcas, das tarifas de água e luz com vistas à melhoria na vida dessas pessoas;

6)      seria a favor de uma política de emprego e de distribuição de renda, aumento de salários, diminuição da jornada de trabalho;

7)      defenderia o fim da alienação do trabalho e o funcionamento da democracia direta e a autogestão;

8) daria plena cobertura às lutas econômicas diretas dos trabalhadores, sem criminalizá-las e além disso mostraria o quanto é importante lutar por vida melhor;

9) não trataria as greves, manifestações e passeatas como coisa de baderneiros etc.

10) exigiria do governo investimento massivo em Educação e Saúde.

Todos esses aspectos em seu conjunto representariam, sim, uma verdadeiramente preocupação com a vida dos mais pobres. Para ajudá-los sugerimos às redações que façam uma única reportagem sobre o preço das passagens de ônibus. Por exemplo, no Rio de Janeiro, quando o plano real foi posto em prática (1994) a passagem custava R$0,30, hoje custa R$2,75: um aumento de aproximadamente 800%. O salário de quem aumentou nessa percentagem? Esta seria uma reportagem a favor dos pobres e usuários de transporte público.

Podemos ainda elencar outras, tais como: por que a gasolina é tão cara no país, se já somos auto-suficientes em petróleo? Por que o fruto do trabalho do trabalhador não lhe pertence? Por que as máquinas substituem o trabalhador ao invés de diminuir a jornada de trabalho de todos? Por que os juros dos bancos são tão altos? São tantas questões que é melhor pararmos por aqui. Estas são apenas amostras do que a grande mídia poderia fazer, mas não faz. Será por quê? Temos várias respostas para estas questões, mas uma certeza, ninguém poderá dizer que os grandes monopólios de comunicação no país estão a serviço dos mais pobres ou dos trabalhadores.

Para o caso da greve dos docentes das universidades federais, um setor importantíssimo do país, os grandes monopólios da comunicação deveriam entrevistar alguns membros do comando nacional de greve, ouvir os sindicatos participantes e divulgar seus motivos. Também deveriam ouvir o governo. Mas não é assim que funciona. A grande mídia assume o lado do governo e legitima suas propostas normalmente contrárias as greves.

Para o caso da Rio+20, a grande mídia deveria ouvir amplamente os movimentos sociais autônomos. Divulgar suas ideias para a população e deixar que ela decida sobre o que deve ser feito para salvar o planeta.

Como nos dois casos, a mídia seleciona o que pode ser dito, então só podemos concluir que vivemos sob censura, uma forte censura seletiva, pois a voz de todos os movimentos autônomos anticapitalistas simplesmente é ignorada, nas pouquíssimas vezes que aparecem são prontamente ridicularizadas, achincalhadas. Enquanto as vozes fascistas que clamam por mais repressão, segurança, ordem, punição, penalidade, hierarquia têm ampla divulgação. Só a título de ilustração, no último domingo ocorreram as eleições no México e todas as reportagens quando se referiam ao candidato do PRDo denominavam de “esquerdista”, enquanto os candidatos do PAN e do PRI não eram classificados como “direitistas”. E olhem que o candidato do PRD é apenas reformista.

Por fim, uma defesa dos despossuídos dos meios de produção passa necessariamente pelo fim do capitalismo, da exploração, da desigualdade que só poderá se concretizar com plena liberdade e igualdade. Isso a grande mídia jamais poderá sequer tangenciar, pois está comprometida com o capital e seus abusos, mas para além disso: tem como papel desvirtuar as críticas ao sistema e ajudar – através de impiedosa censura – a criar cordeirinhos que se subordinam facilmente, produzindo riquezas para os donos do poder e do capital.



[1]Prof.do Departamento de Ciência Política da UFRJ.

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